Poder qualificar profissionalmente, trazer mais segurança para o visitante, gerar renda e oportunidades de trabalho para moradores de Cavalcante e entorno da maior comunidade remanescente de quilombos do Brasil, os Kalungas, que vivem principalmente da agricultura familiar e do turismo. Esse foi a intenção da Guia Kalunga Associação de Guias do Quilombo Kalunga para buscar recursos junto à Fundação Banco do Brasil através do programa de voluntariado do próprio banco para conseguir realizar mais um curso de condutores de visitantes de ecoturismo na região. “O turismo auxilia no desenvolvimento, mas precisamos ter condições e conhecimento para oferecer ao visitante um passeio com história, cultura, serviços e estrutura de qualidade. Não se trata de mostrar o caminho da cachoeira, isso é fácil. Se trata de poder conduzir com ética, respeito, segurança e informação”, afirma a presidente da Associação, Izabel Maia.
Na noite de sexta-feira dia 4 de novembro de 2016, representantes da Guia Kalunga, do Banco do Brasil, do ICMBio e da Secretaria Municipal de Turismo de Cavalcante bem como outros parceiros, além de dezenas de interessados, estiveram presentes na cerimônia oficial de lançamento do Projeto Ecoturismo no Quilombo Kalunga, Formação de Condutores de Visitantes de Ecoturismo, promovido pela Guia Kalunga no Centro de Atendimento ao Turista (C.A.T.) de Cavalcante – GO. A partir do lançamento, até o dia 8 de novembro, as pré-inscrições estiveram abertas através de formulário disponibilizado na página guiakalunga.org.br. As Inscrições presenciais aconteceram simultaneamente no dia 5 nos C.A.T.s de Cavalcante e da Comunidade Kalunga do Engenho II.
Entre os candidatos às vagas, a condutora de turismo Divina Francisco Vieira, natural da comunidade Engenho II, onde se localiza a Santa Bárbara, a mais famosa cachoeira da Chapada dos Veadeiros, avalia que garantir a qualidade de seu trabalho e dos colegas é essencial tanto para os visitantes como para a comunidade. “Eu guio com muito amor e carinho, apresentando muito da nossa realidade e naturalidade. Se eu puder fazer mais cursos, vou me sentir sempre mais preparada. Nós temos nosso conhecimento, temos que saber nadar e aprendemos na experiência, mas quero muito poder conhecer mais de primeiros socorros, de atendimento, mais lugares, renovar o aprender”.
Já Rafael Santos, de 28 anos, morador do Vão de Almas, onde é agente de saúde, pretende começar a guiar turistas como forma de desenvolvimento cultural. “A gente vai ensinar e aprender. Ensinar de poder falar da nossa vida, além da Natureza. Aprender porque chega gente de diversos Estados, outros países. Quero poder aprender com eles também”, afirma.
Gratuito e com duração total de pelo menos 160 horas, o curso compreende conhecimentos sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o ICMBio, história e geografia regional, turismo e sustentabilidade, normas do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, legislação ambiental e voltada para o turismo, técnicas de condução, interpretação ambiental, monitoramento de impactos, gestão de segurança, primeiros socorros e história e cultura Kalunga, entre outros. Metade do curso será ministrado em estágios nos seguintes locais: Santa Bárbara, Capivara, Candaru, Pratinha e Rei do Prata, Veredas, Veredinha, Poço Encantado, Toca da Onça, Véu de Noiva, Ponte de Pedra, Barroco, São Félix, e Parque Nacional: Canion, Carioquinhas, Saltos do Rio Preto e Corredeiras.
“Queremos garantir que cada um desses guias sejam fiscais da natureza, monitores ambientais e promotores da satisfação dos turistas”, afirmou o coordenador e idealizador do curso, André Praude. Após formado, o condutor poderá se credenciar como condutor em Unidades de Conservação Federal como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, gerido pelo ICMBio e atuar em outras áreas de conservação estaduais, municipais e privativas como as diversas RPPN’s que compõem o mosaico de Unidades de conservação da Chapada dos Veadeiros.
O Condutor é responsável pela condução, em segurança, de grupos de visitantes aos locais permitidos, em atividades interpretativas sobre o ambiente natural e cultural visitado, além de contribuir para o monitoramento dos impactos socioambientais nos sítios de visitação. Praude propôs a união das associações de condutores de visitantes da região, Guia Kalunga e ACECE em Cavalcante, SERVITUR e ACVCV em Alto Paraíso, e demais entidades do gênero dos municípios vizinhos de Teresina de Goiás e Colinas do Sul, bem como empresários e empreendedores do trade turístico para que “juntos, de mãos dadas, nos levantemos para fazer a diferença e buscar o desenvolvimento regional sustentável e humanizado”.
Presente no lançamento, o atual chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando Tatagiba, saudou a metodologia de ensino adotada, a mesma sugerida pela ICMBio com o acréscimo de ensinamentos direcionados à cultura Kalunga e outros temas extras. “Mais da metade do Parque Nacional está em Cavalcante. Estamos trabalhando para abrir o novo portal do Parque na cidade até 2018, o que vai fomentar muito o turismo aqui, como ocorreu em São Jorge e Alto Paraíso. Além da oportunidade de trabalho para os condutores, essa ação potencializa parceiros do parque. O turismo proporciona desenvolvimento humano, econômico e social. Ano passado o parque recebeu 56 mil visitantes, quase oito vezes a população de Alto Paraíso. Este ano está fechando em 10 vezes a população de Alto Paraíso. O turismo está crescendo apesar da crise”, destaca.
A metodologia utilizada é baseada na experiência acumulada ao longo de mais de duas décadas de parcerias entre entidades representantes dos Guias e Condutores de Turismo da Chapada dos Veadeiros como a própria Guia Kalunga e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros para realização de formação de condutores de visitantes. O conteúdo é baseado no exigido pela instrução normativa 02/2016 do ICMBio/MMA acrescido vinte e nove horas/aula de temas extras e 10 estágios totalizando 160 horas. As aulas serão ministradas por uma equipe de instrutores composta por profissionais com perfil/qualificação multidisciplinar e ampla experiência em ministrar cursos de condutores de visitantes na chapada dos veadeiros; são historiadores, geógrafos, gestores ambientais, biólogos, botânicos, servidores do Ministério do Meio Ambiente, condutores locais mais experientes, empreendedores do ramo turístico e oficiais do Corpo de Bombeiros Militar de Goiás que ficarão responsáveis por ministrar as palestras, conciliando a teoria com a prática de acordo com cada um dos temas e disciplinas do curso.
As aulas teóricas e práticas estão organizadas em duas turmas, ambas formadas por novos condutores e condutores certificados que buscaram fazer reciclagem e atualização de seus conhecimentos, entre esses últimos a maioria é de associados da Guia Kalunga. Na primeira turma, aulas em período integral por dez dias na Comunidade Kalunga do Engenho II. Na segunda, aulas noturnas em Cavalcante e saídas de campo no final de semana durante dezesseis dias.
O curso é fruto de um trabalho iniciado ainda em abril de 2016, quando André Praude encaminhou a proposta do projeto para concorrer em edital da Fundação Banco do Brasil. O resultado final foi divulgado apenas em setembro deste ano, após diversas etapas de seleção. “Isso tudo também não teria sido possível sem a dica da abertura do edital que foi dada pelo nobre associado da Guia Kalunga, Bombeiro Civil e Socorrista, Sr. Carlos Felipe Balthazar. A Iniciativa também contou com o importantíssimo apoio da Srª Ana Nogales que é participante do Programa de Voluntariado do Banco do Brasil”, afirma o coordenador.
A Associação
A História da Guia Kalunga começou com a necessidade de melhorar a organização e capacitação da comunidade Kalunga para os serviços voltados para o turismo e também de preservação do enorme patrimônio ambiental e cultural que o Kalunga representa. A fundadora e presidente da Guia Kalunga, Izabel Franscisco Maia, entendeu que o povoado precisava mais do que trabalho e turismo, e através de vários projetos com bons parceiros, participou da construção do Posto de Saúde da comunidade e da escola de Segundo Grau do Engenho II. Fundada em 2010, a Guia Kalunga já realizou e apoiou diversos projetos de sucesso oferecendo mais capacitação e condições de geração de trabalho e renda aos seus associados. Entre os inúmeros benefícios que a Guia Kalunga já consegui realizar podemos citar cursos de formação de condutores que já formaram mais de 100 condutores de visitantes, doação de kits de equipamentos como botas para trekking, mochilas cargueiras, coletes, cantis, bolsas de resgate (rescue bag) e kit de primeiros socorros para seus associados. Além disso, mais de uma dezena de cursos de reciclagens em primeiros socorros, estágios em cachoeiras da região, curso de inglês para o turismo e oficinas de artesanato. A Guia Kalunga foi a principal apoiadora do Projeto Kalunga Sustentável que levou dezenas de cursos voltados para o turismo e o agroextrativismo para a comunidade Kalunga, bem como construiu e inaugurou o Centro de Atendimento ao Turista e a Loja de Produtos Kalungas do Engenho II, que foram entregues à comunidade em 2013.
Hoje com 32 associados ativos – a anuidade é de R$ 50,00 -, a Guia Kalunga está aberta para um maior envolvimento dos integrantes. “Aceitamos trabalhos voluntários e podemos assim isentar a anuidade, o que precisamos é de pessoas que vivam mais a associação e nos auxiliem na sua constante melhoria. Qualquer melhoria ou projetos que conseguimos aprovar é fruto de bastante trabalho, dos associados, dirigentes e voluntários da Guia Kalunga, que precisa ser valorizado e reconhecido por todos, podendo inclusive ser replicado como modelo de desenvolvimento através dessa tecnologia social presente na metodologia de todos nossos projetos e trabalhos.”, afirma André Praude.
Em 2011 a entidade contava com 70 associados, no entanto a presidente alerta que muitos ex-associados continuam usando uniforme e equipamentos da Guia Kalunga, mas não estão ativos como associados por motivos diversos e não vem fazendo as reciclagens obrigatórias ou contribuindo com a associação. Izabel Maia também informa que “Nossos associados ativos trabalham portando crachá de identificação e estão todos muito bem capacitados e equipados”. Ao final do curso convidaremos os melhores da turma de novos condutores formados para se filiarem à nossa entidade.
Texto: Leda Malysz
Fotos: Adriana Costa e Silva / Leda Malysz